segunda-feira, 26 de maio de 2008

Não ouso calar a cidade

Não ouso calar a cidade de seus gritos blasfemos e inoportunos. Nem ouso gritar como ela da varanda, da janela, da passagem qualquer que nos comunica. Apenas ouço o silêncio experiente dos fícus, dos umbus, dos ipês, que de há tanto tempo filtram e depuram os rugidos e os hálitos da cidade e, em sua ingênua maldade, nos desnudam enquanto nos fazem ocultos.

Também não ouso invocar a gente boa e passada, das notícias que nos surpreendem e amargam, nem também as almas puras que, acidentalmente, deixei de conhecer a tempo e de cujos conselhos e atenção ainda preciso e prescindo enormemente.

Não tenho, em essência, ousadia nenhuma que faça mover uma folha, posto que as folhas se movem por si no outono cansado e, assim, não me cabe o direito discutível da interferência.

Declaro, e apenas declaro, um intenso e legítimo amor extemporâneo que nada pede, nada exige, nada condiciona senão a beleza inexorável intrínseca a si próprio e, por ser de tal forma inevitável, resiste, permanece e reconhece, resignado, sua incapacidade de germinação imediata que, ingrata, se traduz como um espelho.

Então, envergonhado, busco o sono como quem, errando o passo, caísse justo no terror de um simples susto e, por estar só, procurasse o próprio colo.

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