sábado, 21 de junho de 2008

Reaprender

Volto à fonte

É preciso reaprender a amar, depois de tanto mesclar imagens e coragens, coisas inconfessas como essas que nos remetem de volta à base de toda a ciência. Há de se ter paciência para reconhecer os medos e as inseguranças, as marcas de quando ainda éramos crianças, como ainda o somos naquilo que não aprendemos de fato.

Volto, humilde, à busca do amor primeiro, aquele quase inteiro que tínhamos idealizado. Pois volto a ele, sem medo de ser ridicularizado pois foi amor como este que me faltou e me fez saltar sem querer, galho em galho, pedra em pedra, perda em perda.

Volto à fonte descobrindo que ainda sei amar um pouco, sei, pelo menos, querer amar, e isto me repõe no lugar de onde nunca deveria ter saído. Volto ao meu amor primitivo e intuído, de criança, pois que a inocência intrínseca fez desse amor o mais puro, embora suscetível às variações temporais, puro e primal, como jamais outros amores seriam. Outros seriam, talvez, iguais. Outros seriam, como foram, indispensáveis. Nenhum dos meus amores foi tão real, tão palpável, tão inimaginável como aquele, apenas sonhado, embotado, perdido e renascido.

E renascido se impõe. Como a cada dia sei que aprendo e cresço, obedeço.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Almas costuradas

Quando, além dos corpos, as almas se aproximam, as mãos se entrelaçam e costuram a união. As bocas e línguas se comunicam em um dialeto silencioso, onde as palavras são simultaneamente pronunciadas, simultaneamente compreendidas. Conversam com todo o corpo, buscando os cantos mais compreensíveis, os recantos mais plausíveis da comunhão perfeita. Parte por parte o corpo se ajeita e oferta ao corpo da outra alma, a calma prevista, esperada e realizada.

Adentro. Dentro sé é recebido e acarinhado, envolvido e agasalhado da maneira como só duas almas costuradas poderiam se tratar. E dançam essas almas quase infantes, dançam como muito antes se embalaram inocentes, como se fossem crentes na eternidade da beleza que a melodia, pura melodia, insinua.

Alma nua dentro de alma nua, inda que corpos se afastem pela peculiar rudeza que compõe os corpos físicos, parte de um permanece no âmago do outro. Gotas indeléveis ainda que não férteis de outras almas, mas prenhes daquilo que intuímos mais, se acomodam. E corpos se aninham, almas se espreguiçam e se abraçam.

Costuradas uma à outra permanecem. Tecem a história da memória e do futuro, da inexistência de muro, da presença de momentos que, por si, são movimentos dessa eterna sinfonia que só tempo, muito tempo, propicia. Tudo novo, sempre novo embora o mesmo, a cada dia.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Além do inferno

Em teus lábios entoei tantos versos perfeitos, tantas estrofes, que nem precisaria de poesia, apenas o que me intuía, o desenrolar de temas, fossem versos, fossem meras palavras ou blasfêmias, fossem o que fossem, seriam sempre a busca, a torpe e tosca busca de você, como menina, ainda ingênua e fina, a garota, que busquei fazendo rumo e rota, a toalha que me encobre o passado.

Já falei de tango, já falei de fado, já falei de dentro da tua boca e de tuas ancas que te amo. E se já o tive por declarado, reclamo o que me é de direito: quero, mais uma vez, grudar o teu no meu peito, aproximar os hálitos, as fontes, quero que me afrontes com as palavras ousadas que nunca ouvi de ti. Quero a tua coragem de me somar à imagem idealizada do único e próprio amante que te possui para além do inferno.

Dane-se Dante! Que seja eu para ti o que sempre fui.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

A ironia do tempo

Desisto de tomar conta do tempo. Não me é próprio tentar compreender o que vai além das mais complexas teorias. O tempo que ensina e fascina é também um facínora a me contemporizar o próprio assalto, o ato que, se visto do alto, arrepiaria os doces querubins, e de baixo, assustaria íncubos e súcubos.

Deixo de pensar no significado dessa ironia constante, que nos interpela e surpreende, que sabe que nos entende mas não explica. É só a dúvida que fica, a desconfiança de que o acaso não é só mero acaso, posto que coincidências assim aconteceriam às vezes, e não vezes e vezes sem fim.

Chega. Paro de pensar nessas coisas, vou agora rever meus amigos de quarenta anos passados só para ver que os anos, se passaram, não se deterioraram, que o tempo é relativo, o carinho intuitivo, os seres são os mesmos apesar de toda a vida incorporada.

Serão sorrisos iguais, faces normais, imagens triviais, e dessa simplicidade é que nos surpreenderemos. Pois que nos reencontremos a desafiar o tempo, o colesterol, o trabalho, os maus motoristas, os ativistas deste ou daquele partido. Que venha o tempo tão já vivido quanto intuído.

domingo, 1 de junho de 2008

Pressa

Temos alguma pressa, mas não urgência. Ainda parece razoável que a espera se estenda por alguns dias, meses ou mesmo anos, desde que poucos o suficiente para que possamos chegar ainda sãos e lúcidos ao final.

Se ainda não cometemos nenhuma loucura, é porque atos impulsivos em nada contribuiriam com o que queremos. Há de ser com naturalidade, serenidade e consciência que faremos o que temos que fazer, porque estamos cientes do norte a ser perseguido e, neste sentido, seguiremos ou serenos ou fingindo serenidade, posto que na minha idade, desesperos não são bem vistos e nem contribuem positivamente com minha imagem pessoal e profissional.

Se temos a mesma bússola e a mesma busca, não há porque precipitar atos que poderiam, até mesmo, desviar-nos do curso. Sabemos que a dosagem homeopática de lenitivos nos tem sido bons motivos a acreditar e reavaliar essa luta tácita, essa força por nós intuida e em nossas almas, ou seja lá como a chamemos, profundamente imiscuída.

Temos pressa e, portanto, é necessário andar cada passo, subir cada degrau, analisar o vão, o vazio que separa um de outro pé no chão. Essa pressa não é só de vontade a ser realizada mas da qualidade a ser perpetuada, já que somos os perfeccionistas que somos.

Mas temos pressa e temos que nos utilizar de precisão cirúrgica para cada ato, cada novo fato que viermos a criar e dele fazer um elo a mais nessa corrente que não nos ata, mas impulsiona para a frente como se movida por rodas dentadas a acelerar o movimento, alimentadas apenas pela vontade em si.

Temos pressa, e esse saber de nossa finitude nos fará presentes nos olhares e afagos que trocaremos cada vez mais amiúde, cada vez mais intensos e serenos, porque nessa pressa, de repente nos encontraremos.