terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

BÁSICO

Meu karma me divide, feito fossem cortes de gado. Assim como postas retalham meus pedaços escolhidos e , mais que isso, selecionados.


Bem mais que o risco de giz sobre a imagem da rês, quem me fez retalho não o fez por ato falho. Foi intencional, proposital, estudado e incluído em alfarrábios e enciclopédias, não as médias, mas aquelas de tradição secular.

Assim, repartido em muitos é meu lugar, separado em bifes, em cortes, em blefes e sortes, nem todos tão aleatórios assim, posto que blefes são ciência a mais exata, a mais circunspecta matéria que jamais nos fez cátedra em escola.

Declino da esmola, recomponho o que me resta de dignidade, rememoro minha idade e tento me dar ao respeito. A gente nasceu assim, não tem jeito. Nem que eu pleiteasse um lugar pequeno e subserviente na comunidade enorme dos contraventores de oportunidade, teria aceitado o direito

Tempo passa, responde e sabe.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

O POTE DE OURO

Reservo um minuto. Não haverá os regozijos da vida premente nem tampouco as negruras do luto recente que me tire desta reta, desta meta a atingir, ainda que relutante, a alegoria do instante em que um sim seja apenas um sim.


Águas passadas, revoltas ou mal paradas são sempre água em sua mais pura essência. Sempre e em qualquer condição carregam consigo a consciência da força inexorável que as move, mesmo que o contrário se prove em tantos e tantos sofismas.


A força, como a das águas, é superior à das cismas, dos preconceitos, até mesmo dos direitos forjados e forçados por regras juridicamente justificáveis, embora deploráveis em seu cerne mais profundamente alcançado. A razão sempre estará ao lado de quem se julga minimamente razoável, minimamente explicável aos poucos que se rendem à sedução de argumentos lógicos.


Mas a presença dessa razão, dessa lógica, de qualquer argumento consistente, jamais será suficiente para empreender uma cruzada de redenção dos seres.


Portanto, vencem sempre os discursos mais sedutores, de maior retórica, por mais tola que seja, ante a fala serena e circunspecta dos verdadeiros doutores, dos efetivamente doutos.


Assim se fazem heróis, a partir de imbecís que carregam apenas a seu favor o poder da sedução barata. Porque é baixo, muito baixo o preço do apoio dado pela turba ignóbil e grata pela filigrana colorida que lhe foi ofertada qual fosse um tesouro, um pote cheio de ouro, daqueles que estão lá à disposição de quem lograr o encontro do ponto de chegada do arco íris.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

De Cidades e Pessoas

As cidades e as pessoas são iguais. Diferem, talvez em pormenores, nas coisas menores, mas sabemos que são sempre as mesmas. As mesmas ruas, o mesmo casario, o mesmo sonho, o mesmo desvario e a mesma realidade.


Não há que se contestar a cidade. A vida urbana se repete como se fora uma enquete entre seres idênticos, ardentes e céticos a um mesmo tempo. O espaço se contrai de uma urbanização a outra, diferindo em questiúnculas, mas iguais nas mesmas agruras, seja no cortiço, seja no apartamento, seja na casa com jardim ao relento. De alguns desses lugares vemos estrelas, de outros apenas desejamos vê-las. De alguns há um pedaço de firmamento e de outros, ricos que são, nem ao menos um momento.


As cidades e as pessoas são iguais. Diferem nos sonhos de consumo e, o que é incrível, quem tem mais sonha ser como quem tem menos e quem tem menos sonha demais.


As cidades e as pessoas são, não mais, do que a amante idealizada, morta quando consumada, esquecida e enterrada, mas presente, viva e sã.


As cidades e as pessoas são uma idéia vã. Benquista enquanto desejada, necessariamente esquecida quando consumada. As cidades e as pessoas, são águas passadas, tantas águas iguais no seu rufar, tanto agressivas em sua enchente, tanto as mesmas quando águas passadas, apenas passadas na vida da gente.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Choro maduro

Mescle as teclas e faça o acorde. Uma nota a mais e é o fiorde, o abismo, o cismo, embora o mesmo já feito. A música não tem jeito, é matemática, lógica, pitagórica e não importa a retórica. A música busca lágrimas em seu esconderijo, seja você o mais frágil ou o mais rijo dos seres, o máximo que faz é disfarçar. Por vezes uma indumentária agressiva, que nada difere da veste angelical dos sensíveis. Mas cada um sente como aprendeu.
Minha vida não foi feita só de porradas físicas. Algumas aqui e ali, mas todas superáveis. O rigor do pai, os parceiros mais velhos e por conseqüência mais valentões me renderam alguns hematomas na pele, superficiais. Cada rouxidão uma lição. Mas ainda não desaprendi de chorar. Joelhos esfolados hoje não são suficientes, mas tanto as coisas que nos fazem contentes quanto as memórias das vergonhas são suficientemente reais e enfadonhas e nos ordenham os lacrimais.
Tanto faz. Aprendi a ser racional. Depois de todo o aprendido, agora só choro escondido.

sábado, 6 de março de 2010

O fim da rua

A música espessa do U2 até me incomodava um pouco, mas era melhor do que não ouvir nada no rádio do carro. Outras opções seriam as notícias remastigadas do dia, os informes dando conta que o trânsito estava uma merda na maior parte da cidade ou qualquer musiqueta de dor de corno. Fiquei com a selva a ser aberta a golpes de facão da banda estrangeira.

Decisão estava tomada. Iria até o fim desta rua, depois até o fim da próxima e onde esta acabasse viraria à direita ou esquerda, dependendo dos humores das autoridades que regem o trânsito, para ir novamente até o fim de cada rua, de cada avenida, de cada estrada.

Para minha irritação, descobri o que já sabia. As ruas desta cidade são muito curtas. Não vão a lugar algum a não ser uma transversal igualmente mal pavimentada ou esburacada pelas eternas instalações de redes indispensáveis. Remendo após remendo, o carro treme e treme e eu temo pela durabilidade da suspensão.

Mas, decisão tomada, pés na estrada. Ou rodas, como seria mais próprio.

A cada pouco a rua acabava, sempre em lugar algum. Não havia nada de novo a ver no fim de cada avenida, que às vezes começava e terminava em poucas quadras. Sair por uma viela fosse esta ou aquela, o fim sempre era próximo e indiferente.

Tentei traçar um itinerário mental. Vou para sul ou oeste, não faz mal. A leste fica o mar e sei onde a estrada acaba. A norte, com sorte chego em algum lugar, cheio de sol e sem qualquer coisa mais. Mas as ruas me devolvem sempre ao ponto de origem, parecem vertigem que faz a gente girar e girar sem sair do lugar.

Desisto da busca quixotesca. Paro sem querer na minha própria rua, na minha própria porta. No fim da rua há apenas outra rua que sem mais o que ofertar, devolve a gente, sempre, ao mesmo lugar.

terça-feira, 30 de junho de 2009

Rocha

Uma rocha me pesa sobre o peito e não tem jeito. E esse peso me esboça e compõe em mim a troça, a brincadeira, a estranha maneira de me despertar e arrasar.

Uma saudade mais que doída, quase a desistência da vida de tanto que aperta essa peça, que eu bem sei onde começa, mas não sei onde se interrompe. E me rompe esse peso. Fosse eu um náufrago, jamais voltaria a boiar para ser encontrado. Fosse eu um astronauta, jamais voltaria à pauta dos controladores.

É meu peso, são minhas dores, são as escolhas impossíveis, já que somos nós os escolhidos como eternos atores ou meros impostores, dependendo da ótica de quem vê ou do que crê.

Mas há um peso imiscível sobre o peito de quem, de algum jeito, ama e reclama esse amor, possível ou não, factível ou não. Ah, se eu tivesse crenças, esta seria a hora certa de fazer uma oração. Se meus acordes me ouvissem, eu faria uma canção triste e bela, como aquela que mais te tocou, seja ela qual for.

Fui, em uma instância, quase proibido de falar a palavra amor, mas esta é a que me ocorre, não me socorre, apenas aparece como se fora uma prece inacabada, desesperada, uma prece que rogasse o impossível.

Uma rocha me pesa sobre o peito e não tem jeito. Devo cuidar desse cobertor com a dor que me é imposta, fazendo sempre a aposta naquilo que me surpreende, que acontece e ninguém entende, como as linhas que o acaso tece sem se importar com quem os merece.

Rugas

Sem querer, franzo o cenho. Mudo o desenho da fronte, mudo a mudez do momento, deixo de ser só o intento de parecer calmo e nobre. Minha face agora é pobre, com rugas impostas à testa que buscam, sem fé, horizonte, porto seguro, terra à vista.

Dista de mim qualquer monte Pascoal, distam as aves, sinal de caminho completo, me arrependo de ter seguido reto, a despeito dos sextantes, dos astros, das cartomantes, e dos infantes prematuros. Apenas franzo a testa e observo no escuro.

Naves e chaves de paraíso, caminhos e percalços do excesso de juízo, são meus grilhões. Vejo-me preso ao porão, ao purgatório com as mãos de tal forma atadas, que fossem quais fossem as desvalidas batalhas com os corsários da vez, melhor ter sido trespassado por espada de bandido, do que ficar, sem sentido, me arvorando de altivez e de tal forma sem força, sem poder, sem ter a vez de ameaçar o destino, ao qual hoje me reclino, aceito e digo que é certo o que fez.

Me acanho de tais escolhas, poucos vinhos, muitas rolhas, nenhum corte na garganta, apenas a vida santa sem martírios que me canonizem ou faça lembrado.

Permaneço deste lado, fronte cerrada e séria, no fim a mesma miséria de qualquer herói ou bardo, de qualquer santo ou bastardo, que tenha sonhado a aventura, mas tenha se atado ao mastro, para calar as sereias, para ter ainda nas veias um sangue para ser jorrado.

Agora, viro de lado e vou dormir, porque é tarde, sei que a alma ainda arde, mas o sono me consome. Agora, mudo de nome e volto porque preciso. Não me basta ter juízo, é preciso ter coragem e uma imagem que observo, da qual sou mais que cativo, sou servo, para que ainda me ameace e me relaxe um dia, enfim, esses músculos da face.

sábado, 6 de junho de 2009

Hoje acordei com saudade

Hoje os meus olhos estão mais baixos. Eu tenho quase tudo para estar bem e se não estou o problema é meu. Até a TV, invasiva, está tocando, alegre, uma daquelas músicas de “happy end”, daquelas inconfundíveis.


Minhas emoções são incríveis. São fixadas em imagens estáticas de passados que se negam a passar que os hormônios se negam a abandonar que os neurônios não deixam por menos. Pormenores, apenas pormenores que insistem em atos de tortura para quem quer levar uma vida reta e discreta.


Hoje os meus olhos insistem em olhar para dentro, para o centro do que é o mais corrosivo e ácido, não há acordo firmado ou tácito que os demovam do intento. Hoje não há a paz que finjo ou invento, não há contemporizador ou lenitivo que remova ou aplaque a dor do que penso.


Hoje acordei para lembrar o que temi, o onde me acovardei, o onde errei. Um dia que quero salgar para que dele não brote nem erva daninha, nem ar.


Hoje acordei com saudade.

sábado, 18 de abril de 2009

Já ouviste?

É preciso ter as tampas destravadas, seja por vácuo ou vapor, seja o que for, é necessário que se abram as compotas, as conservas. Não será em malas ervas que receberemos a benção do bem estar. Será em outro lugar. É preciso ter as tampas com as instruções precisas, afinadas, concisas, para que não se erre o caminho, para que o caminho não se emperre. É preciso ter as guardas aguçadas, mas não excessivamente iradas a ponto de barrar o que é recreio. É preciso ter receio, mas não tanto. É preciso, insisto, ter um que de encanto, um qualquer coisa de magia, uma pequena elegia, um manto que te guarde para o inverno. É preciso às vezes vestir terno, tantas vezes quanto importa estar nu, que seja por sob a cintura, que seja a tua agrura que me leve a desnudar apenas o pequeno lugar. É preciso que te entregues, que venhas sem peso ou medidas, que venhas sem tuas desvalidas manias, que venhas pelo que preferias a estar só e só supor. Já ouviste falar de amor?

Querubins

É morto o teu querubim descalço, flagrado no percalço do assobio que o chama e o pilha assim, sem setas, sem metas e sem alvo em quem se mire. É morto o teu querubim pequeno, o feno que alimentava alazões, os campeões e azarões da prosaica contenda, que de tua tenda observavas e torcias. É morto agora o sonho em que ainda te fias e nesses confusos fios, sem rocas ou fusos os faz difusos. Mas é morto o teu querubim alado. Prostra-se de lado na inércia dos não vivos. É morto o teu querubim querido. É ido o teu sonho. Que pecado.

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Falta

Fica em pausa a causa de tudo o que deveria ter sido. Fica o tempo ido, as mãos postas as dores nas costas as imagens santuárias, as idéias várias que nos foram implantadas nas cabeças. Ficam as expressas religiões, ações desmedidas, idéias já desvalidas que ficam e se tornam referência. Haja paciência para tanta vontade de mundo melhor, haja vontade para que tudo se acabe e venha o que for, haja renúncia para que essa bagunça seja, no mínimo aproveitável. Haja um momento razoável, uma, quem sabe, notícia, ainda que sub-reptícia, que nos surpreenda ao olhar e quem sabe aproveitar o momento. Falta um silêncio estável, combinado e combinável, uma noite de abraço, um segundo, um espaço. Falta o que se tem em conta mais alta. Falta você.

domingo, 25 de janeiro de 2009

Futuro

Me falta esse futuro que não planejamos, que não houve tempo, que não houve chance. Me falta esse lance de um futuro imaginado, o que seria um hoje, o que teria resultado de um plano então pensado, com pequenos detalhes, com coisas em lugares que nem em sonhos criativos os fariam vivos. Me falta esse pedaço.

Me falta um futuro feito em ontem, um agora reprimido, que nem sexto sentido ousaria proclamar. Me falta um minuto e reservo-me o direito de agora imaginar que me falta um sonho antigo, me falta um amigo a quem possa confessar esse hoje imaginado. Me falta um pecado que não pude cometer, me falta o momento de entender, me falta a história, me perde a memória de um quase, sempre quase, de um lapso tão real quanto cruel.

Me falta um passado que é hoje apenas imaginado, com suas coisas boas e as tristes também. Me falta um roteiro, desviado que foi aquele primeiro, me faz falta tua ira então inesperada, tua volta, tua estada, tudo isso me faz falta. Me falta um pedaço, um comichão, um mormaço, que nunca vieram a mim e agora me chegam apenas como a memória de uma história que teve começo, não fim.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Mais que pequenos amores

Você há de entender o amor que te tenho. Extemporâneo, inexplicável, mas um amor gentil, afável, o amor que buscavas e temias encontrar em hora errada. Pois o achaste!

Quem dera fosse a hora certa, da vida liberta de quaisquer outras algemas, as penas que temos que pagar, as prisões que temos que amargar, as cusparadas dessa vida, tão bendita quanto desvalida das reais necessidades. E se vão por aí as vontades a nos surrupiar momentos, como já tivemos, alentos eternos, plenitudes termináveis e carinhos tão amáveis como jamais teríamos imaginado, por mais criativos que tivéssemos sido. E teríamos sido amantes, os mais constantes, embora em algum momento, ainda infantes, tenha sido o teu rosto inocente colado no meu, muito, mas muito antes da chegada reveladora, da mensagem inovadora que me ofereceste tão ávida quanto tímida.

Não és duvida, mais do que isso és certeza daquilo que me puseste sobre a prosaica mesa, da noção de quem tem companhia certa.

Mas és liberta para buscar o que está aqui em outras plagas. Marejas em outras vagas e sabes, ah como sabes, que teu destino viaja entre meus dedos, teus dedos se agarram nos meus, tuas unhas se cravam em mim.

Sabes que é assim. Apenas sabes.

sábado, 21 de junho de 2008

Reaprender

Volto à fonte

É preciso reaprender a amar, depois de tanto mesclar imagens e coragens, coisas inconfessas como essas que nos remetem de volta à base de toda a ciência. Há de se ter paciência para reconhecer os medos e as inseguranças, as marcas de quando ainda éramos crianças, como ainda o somos naquilo que não aprendemos de fato.

Volto, humilde, à busca do amor primeiro, aquele quase inteiro que tínhamos idealizado. Pois volto a ele, sem medo de ser ridicularizado pois foi amor como este que me faltou e me fez saltar sem querer, galho em galho, pedra em pedra, perda em perda.

Volto à fonte descobrindo que ainda sei amar um pouco, sei, pelo menos, querer amar, e isto me repõe no lugar de onde nunca deveria ter saído. Volto ao meu amor primitivo e intuído, de criança, pois que a inocência intrínseca fez desse amor o mais puro, embora suscetível às variações temporais, puro e primal, como jamais outros amores seriam. Outros seriam, talvez, iguais. Outros seriam, como foram, indispensáveis. Nenhum dos meus amores foi tão real, tão palpável, tão inimaginável como aquele, apenas sonhado, embotado, perdido e renascido.

E renascido se impõe. Como a cada dia sei que aprendo e cresço, obedeço.

quinta-feira, 19 de junho de 2008

Almas costuradas

Quando, além dos corpos, as almas se aproximam, as mãos se entrelaçam e costuram a união. As bocas e línguas se comunicam em um dialeto silencioso, onde as palavras são simultaneamente pronunciadas, simultaneamente compreendidas. Conversam com todo o corpo, buscando os cantos mais compreensíveis, os recantos mais plausíveis da comunhão perfeita. Parte por parte o corpo se ajeita e oferta ao corpo da outra alma, a calma prevista, esperada e realizada.

Adentro. Dentro sé é recebido e acarinhado, envolvido e agasalhado da maneira como só duas almas costuradas poderiam se tratar. E dançam essas almas quase infantes, dançam como muito antes se embalaram inocentes, como se fossem crentes na eternidade da beleza que a melodia, pura melodia, insinua.

Alma nua dentro de alma nua, inda que corpos se afastem pela peculiar rudeza que compõe os corpos físicos, parte de um permanece no âmago do outro. Gotas indeléveis ainda que não férteis de outras almas, mas prenhes daquilo que intuímos mais, se acomodam. E corpos se aninham, almas se espreguiçam e se abraçam.

Costuradas uma à outra permanecem. Tecem a história da memória e do futuro, da inexistência de muro, da presença de momentos que, por si, são movimentos dessa eterna sinfonia que só tempo, muito tempo, propicia. Tudo novo, sempre novo embora o mesmo, a cada dia.

segunda-feira, 16 de junho de 2008

Além do inferno

Em teus lábios entoei tantos versos perfeitos, tantas estrofes, que nem precisaria de poesia, apenas o que me intuía, o desenrolar de temas, fossem versos, fossem meras palavras ou blasfêmias, fossem o que fossem, seriam sempre a busca, a torpe e tosca busca de você, como menina, ainda ingênua e fina, a garota, que busquei fazendo rumo e rota, a toalha que me encobre o passado.

Já falei de tango, já falei de fado, já falei de dentro da tua boca e de tuas ancas que te amo. E se já o tive por declarado, reclamo o que me é de direito: quero, mais uma vez, grudar o teu no meu peito, aproximar os hálitos, as fontes, quero que me afrontes com as palavras ousadas que nunca ouvi de ti. Quero a tua coragem de me somar à imagem idealizada do único e próprio amante que te possui para além do inferno.

Dane-se Dante! Que seja eu para ti o que sempre fui.

quarta-feira, 11 de junho de 2008

A ironia do tempo

Desisto de tomar conta do tempo. Não me é próprio tentar compreender o que vai além das mais complexas teorias. O tempo que ensina e fascina é também um facínora a me contemporizar o próprio assalto, o ato que, se visto do alto, arrepiaria os doces querubins, e de baixo, assustaria íncubos e súcubos.

Deixo de pensar no significado dessa ironia constante, que nos interpela e surpreende, que sabe que nos entende mas não explica. É só a dúvida que fica, a desconfiança de que o acaso não é só mero acaso, posto que coincidências assim aconteceriam às vezes, e não vezes e vezes sem fim.

Chega. Paro de pensar nessas coisas, vou agora rever meus amigos de quarenta anos passados só para ver que os anos, se passaram, não se deterioraram, que o tempo é relativo, o carinho intuitivo, os seres são os mesmos apesar de toda a vida incorporada.

Serão sorrisos iguais, faces normais, imagens triviais, e dessa simplicidade é que nos surpreenderemos. Pois que nos reencontremos a desafiar o tempo, o colesterol, o trabalho, os maus motoristas, os ativistas deste ou daquele partido. Que venha o tempo tão já vivido quanto intuído.

domingo, 1 de junho de 2008

Pressa

Temos alguma pressa, mas não urgência. Ainda parece razoável que a espera se estenda por alguns dias, meses ou mesmo anos, desde que poucos o suficiente para que possamos chegar ainda sãos e lúcidos ao final.

Se ainda não cometemos nenhuma loucura, é porque atos impulsivos em nada contribuiriam com o que queremos. Há de ser com naturalidade, serenidade e consciência que faremos o que temos que fazer, porque estamos cientes do norte a ser perseguido e, neste sentido, seguiremos ou serenos ou fingindo serenidade, posto que na minha idade, desesperos não são bem vistos e nem contribuem positivamente com minha imagem pessoal e profissional.

Se temos a mesma bússola e a mesma busca, não há porque precipitar atos que poderiam, até mesmo, desviar-nos do curso. Sabemos que a dosagem homeopática de lenitivos nos tem sido bons motivos a acreditar e reavaliar essa luta tácita, essa força por nós intuida e em nossas almas, ou seja lá como a chamemos, profundamente imiscuída.

Temos pressa e, portanto, é necessário andar cada passo, subir cada degrau, analisar o vão, o vazio que separa um de outro pé no chão. Essa pressa não é só de vontade a ser realizada mas da qualidade a ser perpetuada, já que somos os perfeccionistas que somos.

Mas temos pressa e temos que nos utilizar de precisão cirúrgica para cada ato, cada novo fato que viermos a criar e dele fazer um elo a mais nessa corrente que não nos ata, mas impulsiona para a frente como se movida por rodas dentadas a acelerar o movimento, alimentadas apenas pela vontade em si.

Temos pressa, e esse saber de nossa finitude nos fará presentes nos olhares e afagos que trocaremos cada vez mais amiúde, cada vez mais intensos e serenos, porque nessa pressa, de repente nos encontraremos.

sexta-feira, 30 de maio de 2008

Deixo estar

Deixo estar, pois deixando acontece o que se tece, o que se fia e se confia. Deixo tempo para ver tanta beleza, já que o tempo da beleza é permanente e somente exige o pouco tempo que se tem ou se inventa.

Pés na terra. A mim não interessa a calmaria e a tormenta que se pode recriar. São do mar esses fenômenos estranhos.

Deixo estar, porque deixando acontecem as surpresas que conhecem as entranhas, artimanhas do destino, armadilhas do acaso e que, caso as soubesse de antemão, não fluiriam.

Deixo estar porque o que deixo é mais completo, lícito, livre, sério. Assim é o bem estar que se tem visto.

E assim, se está bem, então é só o que se tem que forma o fato. É nesse ato, combinado em silêncio, sem barganha, acordado em tantos termos, sem contrato, que deixo estar de fato e vou inteiro.

Aprendizado

Foi o meu melhor aprendizado. Aprendi a entender ao invés de supor, a ler ao invés de compor. Aprendi a pluralidade que trago em mim, a multiplicidade que não vê fim, a realidade que é, ainda assim, surpreendente.

Aprendi a olhar de frente e ver, a um só tempo, a alma da gente abraçada e espreguiçada, distendida e recriada, da forma como Deus recriaria o universo se, para tal, se dispusesse.


Ah, se o criador fosse criativo, criaria o universo a partir de uma cópula infinita, feliz, bonita, sem vergonhas ou vícios, uma entrega total das energias.Criaria os dias sem horas, as horas sem pontualidade, criaria nem tempo nem idade, mas a mescla dessa tola experiência. Fundiria religião e ciência, ansiedade e paciência, ousadia e prudência.

O criador, meu amor, nos criaria neste exato momento, quando me sento à sua frente e, a par de todos os desejos, somos apenas parceiros, talvez os primeiros a chegar nessa maratona insana.

Posso, agora, dizer que te amo.


quarta-feira, 28 de maio de 2008

Tempo

Por um certo lapso de tempo ou, dizendo melhor, por todo o lapso do tempo, vai se entendendo fenômenos que às vezes passam despercebidos. O clima é um deles. As pessoas reclamam, se lamuriam do frio e do calor, do sol e da chuva, sem se aperceber que essas coisas são cíclicas. O clima ameno vai e vem. O saber do clima, quando aprendido, fica. Filhos nascem e crescem de forma totalmente dependente. De repente... pimba! Estão por aí a cuidar de suas vidas, dão nos cascos, se vão, cumprindo a regra mais certa e justa da evolução e nós, continuamos a vê-los como crianças inocentes, dependentes.

O tempo passa por nós desapercebido. Mal começou e já termina. O elevador, no entanto, demora demais a chegar. A noção tão relativa dos segundos, horas, dias, meses, nos faz fragilmente humanos. Que tosca interpretação. Esse relógio bate as horas de forma arrevesada. Um dia, às vezes, é nada, mas um minuto pode ser a diferença entre o parto e o luto. Nesse entremeio, colecionamos na memória o que se chama de história. Não a história dos livros, dos heróis, dos contos de fadas, das bruxas malvadas e políticos iguais, mas a história de nós.

Ao longo do tempo imensurável há, sempre, um tempo viável que nos escreve e apaga, que nos castiga e afaga, que nos ensina a vida pela lição mais doída e, tantas vezes, ao invés de estar atentos a cada um dos instantes, todos aproveitáveis, escolhemos os lamentos pela oportunidade perdida de momentos memoráveis.

A vida, meu bem, não perdoa os distraídos. Não há nela uma seção de achados e perdidos.

segunda-feira, 26 de maio de 2008

Ela pensou que me amava

Ela pensou que me amava. Foi coisa da juventude, que desafiou a finitude de tudo. Afinal, qualquer coisa o tempo apaga. Após trinta e tantos anos nos reencontramos. Ela lembrou que pensou que me amava e se entregou ao seu sonho. Nessa entrega veio toda, não poupou nenhum afago. Fez tudo o que havia aprendido nos anos em que não se guardara, mas aguardara.
Me ofertou um carinho antigo, deu-se por inteiro após todo esse tempo a quem um dia julgou ser o primeiro a merecer seu corpo. Revelou o que era bom apenas como mistério, veio inteira e, enquanto ela gozava, eu, tolo, levava a sério.

Pesadelo

Calo em imagens toscas, idéias desbaratadas. Sou eu meu próprio veneno, imagens mal acabadas, fantasmas desnecessários, inaptidões, medos vários e uma frágil memória do que aprendi de correto.

Silenciam-me pequenas visões menos que intuídas, imitações de feridas que não tenho nem deveria, mas me roubam as nuvens brancas e me impõem tormentas indescritíveis, violentas para as quais cerro os olhos, fecho a fronte, enrugo a testa por que, por certo, não é esta a alma que em mim habita, pois que esta não acredita nem ao menos em si mesma, quem dirá nessa desdita.

O anverso dos versos ( Dedicado a Ivone F. S.)

É no anverso dos versos que se encontram os diversos frutos dos maestros, brutos e benditos, assim como foram transcritos teus pensamentos exatos e imediatos. Não tema teus escritos, pois que desfazem os mitos e os torna factíveis, inteligíveis, belos em sua essência enquanto plenos da tua impercebida, mas profunda consciência

Me engano

Me engano sem enganos. Foi assim ao longo dos anos, por todo o tempo em que passei vivendo ou passei sem ter passado o que se transformou em passado.
Se não me engano, ainda às vezes me engano, e faço imiscuir um plano indecifrável na vida inexorável que se tornará o mais provável dos resultados esperados. Mas vão-se os vãos, as frestas, as penúrias e as festas, as alforrias e as manias, tão maduramente aceitas por quem me conhece e aceita.
Portanto a gente se ajeita. Há, parte a parte, sonhos irrealizados, minutos desvividos, sonhos desvalidos, esquecidos, desnutridos até de lembrança. Ainda assim, a gente dança. Dança quem lembra da dança, da esperança da substância feita apenas do provável, mas jamais do realizado.
Portanto é assim, começo meio e fim são a mistura do treco que estamos vivendo agora, e perguntando atônitos:
Isso é hora???

Lolitas?

Lolitas? Foi se o tempo e a oportunidade. Mulheres? Há algumas próprias para a minha idade, vindas de minha mocidade, ainda bonitas, mas jamais comparáveis com Lolitas. Mulheres amadurecidas são resumos detalhados de nossas vidas. Nem são parecidas, apenas e tão somente a germinação da semente. Serão a vera explicação se um dia eu for tomado por demente!

Hoje não!

Hoje, eu até faria um poema, com imagens reais, triviais. Mas o que vejo são figuras abissais, profundas e irreais, de monstros e colossais desvios de conduta genética e lógica.

Eu até queria escrever um poema, uma poesia pequena, doce, de arrancar, quem sabe, lágrimas menores e entendimentos surpresos. Mas meus pesos estão a me atar pés, mãos digitalizadoras, pontas de dedos que parecem sempre intuir meus medos e se calam numa verdadeira artrite existencial. Não faz mal.

Se eu queria e não o fiz, é porque me faltou a raiz, o sopro, a inspiração menor ou, até ela tenha vindo e eu não a tenha percebido.

Fica o registro do inusitado. Agora, só ficarei do meu próprio lado a esperar oportunidades mais claras. Essas, que nos exigem os cantos das Iaras, nem pensar!

Calar-me?

Calar-me sem que seja imperioso? Nem por nada me calaria, pois que sou zeloso com o que tentaria falar-te, dizer-te, afagar-te. Destarte, nem por nada me calaria, apenas buscaria o fim da calmaria, o renascer de qualquer brisa, qualquer vento e ficaria atento à tua mais sutil resposta, ainda que indisposta ou inoportuna. Minha ação seria a mera gatuna de teu sentimento mais profundo e, embora meio parvo não tenha eu condição de avaliá-lo, me conheces, sabes o tamanho e a força da minha prece de ateu e sabes que eu converso com arcanjos em seu próprio dialeto, sabes que falo com o próprio Jeová, um deus que não há, segundo o que ele mesmo me disse. Sabes que tenho os pés, como raízes, fincados na terra e a mente, esta divergente, voa distante, fala-te falácias faz-te refém de imagens inimagináveis, possíveis talvez, mas sempre as toscas imagens que, comportadas, esperam a vez.

Viu o que você me fez?

Boa Viagem

Vá com Deus, tenha juízo, comporte-se bem e não vá fazer nada que me entristeça. Se fizer, não me conte. Se contar, não sorria. Se sorrir, não me olhe. Se olhar, que não seja nos olhos, pois, afogados, não serão uma visão agradável.

Da Sacada

Sento-me na sacada como quem não quer nada, inocente. Entre o gole e a tragada olho p’ro céu e nada. Nenhuma estrela presente. Apenas um tico de lua crescente, dependurada como uma unha polida, branca, bem cuidada, a ponta do dedo de Deus a apontar o poente. E aponta, insistente, o dedo que indica o caminho do horizonte.

Logo se esconderá atrás dessas estruturas, dos prédios, das coisas duras que nos proíbem espaço.

Das ruas, não vejo nada. Só lá adiante uma nesga advinha o cruzamento com todo o seu movimento. De resto tudo parece uma calma imaginada. Qual nada! A cidade não relaxa! A gente que, vendo pouco, acha que o momento é de repouso. Não ouso me enganar dessa forma.

Sei que a regra, a norma, é estar obscurecido nesse momento dividido. A cidade pulsa, eu não. E assim, sexto andar, penso meu solo sereno, tão remédio quanto veneno, como o fará a dose.

O vento fresco me espanta. Saio da sacada, recolho o copo e o cinzeiro, trago p’ra dentro de casa os olhos que guardam um horizonte normal, memorado, um espectro melhorado do que vi, do que lembrei, do que pensei, no instante efêmero.

Coisas desse gênero me fazem feliz, eu sei.

Não ouso calar a cidade

Não ouso calar a cidade de seus gritos blasfemos e inoportunos. Nem ouso gritar como ela da varanda, da janela, da passagem qualquer que nos comunica. Apenas ouço o silêncio experiente dos fícus, dos umbus, dos ipês, que de há tanto tempo filtram e depuram os rugidos e os hálitos da cidade e, em sua ingênua maldade, nos desnudam enquanto nos fazem ocultos.

Também não ouso invocar a gente boa e passada, das notícias que nos surpreendem e amargam, nem também as almas puras que, acidentalmente, deixei de conhecer a tempo e de cujos conselhos e atenção ainda preciso e prescindo enormemente.

Não tenho, em essência, ousadia nenhuma que faça mover uma folha, posto que as folhas se movem por si no outono cansado e, assim, não me cabe o direito discutível da interferência.

Declaro, e apenas declaro, um intenso e legítimo amor extemporâneo que nada pede, nada exige, nada condiciona senão a beleza inexorável intrínseca a si próprio e, por ser de tal forma inevitável, resiste, permanece e reconhece, resignado, sua incapacidade de germinação imediata que, ingrata, se traduz como um espelho.

Então, envergonhado, busco o sono como quem, errando o passo, caísse justo no terror de um simples susto e, por estar só, procurasse o próprio colo.

Dois Anjos

Meus anjos da guarda são dois. Um fala agora, o outro depois.

Este que agora fala e toma a mão e a caneta, garante um momento justo, com texto de opereta e junta rimas a esmo ou aforismos vulgares, que vêm de tantos lugares que nem os anjos se lembram, mas tocam em frente o processo.
- Escreva-se outro verso!
E minha mão obedece cegamente, comportada, e mesmo que não diga nada, no fim o texto me intriga.

O outro anjo me escuta, pondera, discute comigo, aconselha como amigo a escolher cada palavra, evitando o perigo de registrar cegamente as coisas que vêm à mente e comprometem depois.

Eu tenho muitos amigos, mas anjos da guarda, só dois.

Um deles volta à carga e me mantém escrevendo e fumando e bebendo. Sou só o seu instrumento de mensagens imediatas, de conclusões provisórias que, se não contam histórias, também não são um lamento.

Mais uma vez, protegido, retorno à consciência. Deus salve a providência de me dar tais companhias. Tenho uma história simples, uma família normal, tenho amigos, colegas e um afeto especial. Tenho coisas diferentes, às vezes incompatíveis, milhares de neurônios e um violão meio velho que comigo se indispôs.

Tenho um milhão de motivos, mas, anjos da guarda, só dois.

Rogo pragas criativas: “pedaço de asno”, xingo. No sábado ou no domingo e às vezes pela semana, digo que vou à merda e ofereço carona. Mas me comporto direito. Se me falhar a caneta, levanto e vou à gaveta. Paro no bar, me abasteço, me dou tudo o que mereço e não reclamo depois.

Eu tenho muitos defeitos, mas anjos da guarda, só dois.

Me rendo à fadiga do corpo, à meditação necessária. Paro, limpo a área e vou descansar, finalmente. Acendo o último cigarro, procuro o último gole. Viver assim, não é mole, mas tudo sempre se encontra no lugar onde se pôs.

Vamos dormir. Boa noite.
Eu e meus anjos. Os dois.