segunda-feira, 8 de março de 2010

Choro maduro

Mescle as teclas e faça o acorde. Uma nota a mais e é o fiorde, o abismo, o cismo, embora o mesmo já feito. A música não tem jeito, é matemática, lógica, pitagórica e não importa a retórica. A música busca lágrimas em seu esconderijo, seja você o mais frágil ou o mais rijo dos seres, o máximo que faz é disfarçar. Por vezes uma indumentária agressiva, que nada difere da veste angelical dos sensíveis. Mas cada um sente como aprendeu.
Minha vida não foi feita só de porradas físicas. Algumas aqui e ali, mas todas superáveis. O rigor do pai, os parceiros mais velhos e por conseqüência mais valentões me renderam alguns hematomas na pele, superficiais. Cada rouxidão uma lição. Mas ainda não desaprendi de chorar. Joelhos esfolados hoje não são suficientes, mas tanto as coisas que nos fazem contentes quanto as memórias das vergonhas são suficientemente reais e enfadonhas e nos ordenham os lacrimais.
Tanto faz. Aprendi a ser racional. Depois de todo o aprendido, agora só choro escondido.

sábado, 6 de março de 2010

O fim da rua

A música espessa do U2 até me incomodava um pouco, mas era melhor do que não ouvir nada no rádio do carro. Outras opções seriam as notícias remastigadas do dia, os informes dando conta que o trânsito estava uma merda na maior parte da cidade ou qualquer musiqueta de dor de corno. Fiquei com a selva a ser aberta a golpes de facão da banda estrangeira.

Decisão estava tomada. Iria até o fim desta rua, depois até o fim da próxima e onde esta acabasse viraria à direita ou esquerda, dependendo dos humores das autoridades que regem o trânsito, para ir novamente até o fim de cada rua, de cada avenida, de cada estrada.

Para minha irritação, descobri o que já sabia. As ruas desta cidade são muito curtas. Não vão a lugar algum a não ser uma transversal igualmente mal pavimentada ou esburacada pelas eternas instalações de redes indispensáveis. Remendo após remendo, o carro treme e treme e eu temo pela durabilidade da suspensão.

Mas, decisão tomada, pés na estrada. Ou rodas, como seria mais próprio.

A cada pouco a rua acabava, sempre em lugar algum. Não havia nada de novo a ver no fim de cada avenida, que às vezes começava e terminava em poucas quadras. Sair por uma viela fosse esta ou aquela, o fim sempre era próximo e indiferente.

Tentei traçar um itinerário mental. Vou para sul ou oeste, não faz mal. A leste fica o mar e sei onde a estrada acaba. A norte, com sorte chego em algum lugar, cheio de sol e sem qualquer coisa mais. Mas as ruas me devolvem sempre ao ponto de origem, parecem vertigem que faz a gente girar e girar sem sair do lugar.

Desisto da busca quixotesca. Paro sem querer na minha própria rua, na minha própria porta. No fim da rua há apenas outra rua que sem mais o que ofertar, devolve a gente, sempre, ao mesmo lugar.